A pandemia da covid-19 provocou a maior crise da historia econômica recente do Brasil, mas aparentemente os efeitos negativos do vírus no setor real ficaram para trás. Indicadores relativos ao desempenho do comércio e da indústria mostram crescimento da atividade desses setores já em maio, quando parte do mercado esperava alguma retomada apenas em junho.
As transferências emergenciais em conjunto com inflação e juros baixos têm auxiliado as famílias a manterem o consumo e o pagamento de despesas correntes. Além disso, a confiança dos empresários também entrou em recuperação, com reversão das expectativas pessimistas para o curto prazo. Mas para manter as expectativas ancoradas e sustentar o crescimento no longo prazo é fundamental seguir com a agenda de reformas no pós-pandemia.
O crescimento do volume de vendas do comércio foi influenciado pelo expressivo aumento das transações pelos canais digitais (e-commerce, aplicativos, redes sociais), revelando que o varejo está, de fato, atravessando a transformação digital.
O IBGE mostrou no resultado da PMC de maio que as vendas do varejo ampliado cresceram surpreendentes 19,6% no mês. Foi a taxa mais acentuada de crescimento, após as vendas terem registrado em abril a pior queda da série histórica, -17,5%. Todo o varejo ampliado evolui, sendo que alguns segmentos de produtos não essenciais, como vestuários e tecidos, tiveram avanços bastante expressivos, com a redução do isolamento social e a adoção de novas estratégias de vendas.
As vendas na modalidade e-commerce ajudaram o varejo a minimizar as perdas impostas pelo isolamento social, e a tendência de maior participação dos canais digitais no processo de venda deverá permanecer. A média diária das operações de vendas on line cresceu 73% entre março e junho, de acordo com a Receita Federal.
Na indústria, a produção física geral aumentou 7% em maio comparativamente a abril, sendo 12,1% apenas na indústria de transformação, segundo dados do IBGE.
Apesar da baixa base de comparação, os desempenhos positivos da indústria, e das vendas do varejo acima do esperado pelos analistas, indicam que a economia está já em rota de recuperação.
A magnitude dos programas de combate aos efeitos da pandemia indica que o governo fez a coisa certa: está socorrendo famílias mais vulneráveis, em que mais de 65 milhões de indivíduos receberam os benefícios emergenciais e seguirão no programa por pelo menos mais dois meses; e ajudando as empresas a reduzirem custos e manterem empregos formais, com a possibilidade de suspensão dos contratos de trabalho ou redução da jornada com redução proporcional dos salários, além do programa de crédito a baixo custo para financiar a folha de pagamentos.
Em termos de liquidez, foi injetado no sistema bancário o equivalente a quase 18% do PIB. De acordo com o Banco Central, as concessões totais de crédito com recursos livres acumuladas no ano da 11ª semana até a 26ª cresceram 14,7%, em comparação ao mesmo período de 2019. O aumento para as pessoas físicas foi de 7,2%, o que se reflete no endividamento recorde das famílias no país apontado na Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC), da CNC. Para as empresas, as concessões de crédito no intervalo aumentaram 18,3%.
Outro indício de que o fundo do poço desta crise ficou para trás é o menor número de desligamentos em maio, apontado no Caged. Em abril, quase 900 mil postos de trabalho formais foram fechados, enquanto em maio o fechamento líquido chegou a 331 postos. Os desafios para o mercado de trabalho, no entanto, ainda são grandes, pois durante o isolamento cerca de 18 milhões de pessoas não procuraram emprego, estando na inatividade nas estatísticas da PNAD do IBGE.
Nos indicadores antecedentes, as expectativas mais catastróficas começaram a se dissipar. O indicador antecedente de emprego apurado pela FGV subiu 14 pontos em junho ante maio, recuperando 33% das perdas entre registradas entre março e abril. A confiança dos consumidores medida pela Intenção de Consumo das Famílias, da CNC, apresentou queda menos intensa em julho, último resultado disponível que será divulgado nas próximas semanas.
Na ótica dos empresários, que em geral sentem primeiro os movimentos de melhora ou piora na atividade, a confiança da indústria cresceu em junho contra maio, nas medidas tanto da FGV, quanto da CNI. Apesar de ainda em nível abaixo do corte de indiferença, o pessimismo dentre os comerciantes também diminuiu em julho, de acordo com o Índice de Confiança do Empresário do Comércio, pesquisa da CNC que será divulgada em breve.
O componente das expectativas para o curto prazo, um dos que sofreram a maior redução dentre os itens do ICEC nos últimos três meses, reverteu o movimento de queda e passou a crescer, já alcançando a zona de avaliação positiva em julho, acima dos 100 pontos.
O governo sinaliza que está atento ao rigor fiscal, especialmente nos gastos com funcionários e despesas correntes. Embora o aumento dos gastos para custear as medida anti crise tenha ampliado a dívida pública, o teto dos gastos tem sido preservado, e a discussão sobre as reformas deverá ser retomada pós-pandemia. Persistindo a austeridade fiscal e a agenda de privatizações, não há dúvidas da permanência da inflação e da taxas de juros baixas, acelerando a recuperação da economia.
Com o fim do ciclo de queda da SELIC, a curva da taxa de juros futuros deve voltar à normalidade, e o cupom cambial provavelmente voltará a aumentar, implicando mais entradas de capital externo.
O maior ingresso de capital externo para investimentos tanto diretos (IDE), quanto em títulos (IEC), permitirá a venda de dólares que ajudam a reduzir a dívida bruta e manter o rigor fiscal das metas de gastos. Em vez de fazer swaps cambiais, o governo pode aproveitar o lucro contábil das operações de venda física para reduzir gastos correntes.
A destinação do lucro obtido com a venda da moeda para reduzir a dívida implica que sobrará recursos no orçamento para outros gastos reais. Assim, a venda de dólares poderá diminuir a dívida bruta sem truques contábeis, pois não afeta artificialmente a meta dos gastos.
Conjuntamente, como o BNDES não está mais emprestando como no passado, pode acelerar as devoluções dos R$ 170 bilhões devidos ao Tesouro para apoiar uma trajetória mais equilibrada da dívida pública.
A recuperação da economia pode ser, nesse sentido, alavancada pela vendas de reservas cambiais e pela devolução mais rápida dos recursos do BNDES.
Além disso, para que o contexto benigno de inflação e juros traga benefícios de longo prazo para a economia, as reformas devem voltar à pauta assim que possível. É vital sinalizar a redução da dívida no futuro próximo para ancorar as perspectivas inflacionárias dentro da meta.
Assim, por mais que ainda haja incertezas quanto à evolução da pandemia no Brasil e no mundo, tudo indica que o alcance do pacote de medidas em andamento vai sustentar a recuperação da economia a partir do segundo semestre. As ações acertadas do governo e o rigor fiscal pós-pandemia ancoram as expectativas, mas a recuperação da atividade também dependerá do apoio do Congresso às reformas necessárias.
Fonte: Poder 360, escrita por Carlos Thadeu de Freitas Gomes